segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Viver num mosteiro

ESTE TEXTO JÁ TEM TRÊS DIAS, POIS NO LOCAL INTERNET NÃO HAVIA E ELETRICIDADE SÓ DE VEZ EM QUANDO

São 17.45, hora local, e nos próximos dias vou viver num mosteiro. 
Tudo começou com uma mensagem , quase vinte e quatro horas antes, dizendo: "amanhã passo pelo hotel ás nove da manhã. Vamos viajar até Lumbini.Sangpo". 
Estava eu num café, com laivos ocidentais, quando a recebi. De imediato a minha cabeça começou a fazer contas ao que tinha de preparar. Parecendo que não ia andar mais de trezentos quilômetros em estradas Nepalesas, o que transforma essa quilometragem num caminho muito mais comprido. Eu sei,  pois já havia o havia feito noutras viagens, quer de carro, quer de autocarro. É muito engraçado observar como a nossa mente, num repente, muda todo o seu foco, por um simples acontecimento. Antes da mensagem os meus pensamentos vagueavam por outras paragens, mas assim que a recebi, dispararam noutra direção e multiplicaram-se em preocupação e antecipações. 
Bom, com tudo resolvido estava na pequena recepção do meu hotel á espera de Sangpo. Uma preocupação, outra, assaltou-me de repente: será que está viagem envolvia motas? Sorri, não muito descansado.
Um pouco depois apareceu Sangpo, eu despedi-me, num até breve ao recepcionista do meu hotel. Uns dias depois iria voltar, aliás parte das minhas coisas ficariam lá guardadas para não me deslocar com muitas coisas. Pack light, sempre em palavra de ordem.
Entrámos num carro,  bastante moderno para o habitual, com um condutor, e lá partimos os três para Lumbini.
Tenho de vos dizer o porquê deste destino. Lumbini é o local onde nasceu Buda, há uns 2500 anos atrás, sensivelmente quinhentos anos antes de Jesus. Eu tinha manifestado vontade de conhecer aquele lugar por isso o meu amigo arranjou tudo. Depois de sairmos de Kathmandu, enfrentado um trânsito descumunal, acompanhado de um calor das monções, começámos o caminho pelo Nepal mais profundo. Passámos por terras, terrinhas, estudantes de uniformes iguais, mulheres trajadas de cores vivas, homens sentados na beira da estrada, gente, muita gente, carros, camionetas. Andámos por estradas melhores do que o possível, outras quase intransitáveis, passamos por rios, subimos montanhas, descemos a pique, até atravessámos a selva, daquelas com animais selvagens. Perguntei quais, a resposta que obtive foi: muitos elefantes, mas também rinocerontes, tigres e veados. Não vi nenhum. 
Eu que não gosto de ar condicionado, bem disse o carro por este o ter. 
Sangpo ia-me informando das coisas conforme havia necessidade. Eu já me tinha habituado a não perguntar. Em vez disso deixar as coisas correrem. Aventura era aventura. Parámos para comer qualquer coisa no meio da selva, num restaurante que de casa apenas tinha o teto. 
-"É melhor comeres qualquer coisa pois ainda temos muito caminho para fazer"- disse-me. A minha cabeça ocidental ficou apreensiva. Tinham passado mais ou menos cinco horas, e ele dizia-me que ainda tínhamos "muito caminho"! Mudei o registo para nepalês e bebi uma coca cola fresca, que apesar de não gostar, sempre era melhor tolerada pelos meus intestinos, que esses, não sabiam ainda mudar de idioma e desde o dia anterior não andavam muito bem dispostos. 
Entrámos para o carro, andamos mais, muito mais. De repente a paisagem começou a mudar. Via agora através da minha janela campos de arroz, verdes, com muita água. O ar parece que ficava cada vez mais leve e puro. A luz do entardecer nepalês estava fascinante. Nem uma nuvem no céu!
Chegámos a Lumbini, e entramos para uma estrada de terra batida, continuámos em frente. Sempre em frente. Chegámos aos portões de um grande mosteiro. 
O meu monge disse-me que era ali que íamos ficar.
-"Better than hotel"- disse-me com o seu sorriso. 
No mosteiro vivem cerca de 35 monges crianças que aí estudam. Bebemos uma bebida fresca todos juntos e rimos. A felicidade deles era contagiante.
Depois fui conduzido ao meu quarto. Um quarto simples, muito limpo. Sentei-me, olhei pela janela e de repente senti-me com uma fortuna imensa. Peguei no meu caderninho e escrevi umas palavras onde não cabia o meu contentamento:
São 17.45, hora local, e nos próximos dias vou viver num mosteiro.


O caminho até chegar ao mosteiro. Em Lumbibi.
A vista do meu quarto, dentro do mosteiro, para o templo. 

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