terça-feira, 26 de agosto de 2014

O loca do nascimento de Buda

Há cerca de dois mil e quinhentos anos atrás nascia um príncipe, de seu nome Sidhartha. A rainha sua mãe, quando o tempo de gestação estava a chegar ao final, empreendeu uma viagem para ir ter  o bébé, a casa do seu pai, como era costume na época. A faustosa caravana atravessou a floresta, e no meio dela, a rainha sentiu que o momento chegara. Diz-se que as árvores se curvaram para a rainha, ajudada pelas suas aias, se puder apoiar para ter a criança, que nasceu sem causar nenhum esforço ou dor á sua mãe. Esta criança mais tarde iria ser conhecido por Buda, que quer dizer, o desperto, o iluminado. Lembro-me o impacto que teve a primeira vez que li sobre a sua vida, no belíssimo livro de Herman Hesse, "Sidhartha", que recomendo vivamente.
O local exato desse acontecimento, do nascimento, estava á minha frente envolto numa calma e numa paz impressionante. 
Só o tinha visto no dia a seguir á minha chegada ao mosteiro pois, embora muitíssimo perto do local, optamos por desfrutar do fantástico final de tarde na companhia dos pequenos monges e dos seus sorrisos. O jantar foi servido ás sete. Estava delicioso! Comemos ás escuras pois a eletricidade é um bem que nem sempre existe. Além da electricidade, telemóvel nem pensar funcionar. Internet muito menos! A minha cabeça ocidental, sempre a mil, sentiu-se por momentos ameaçada. As coisas que normalmente não dispensava, não estavam ao seu dispor. Senti uma ansiedade pequena a apoderar-se de mim e fiz o que tinha de fazer. Entrei no templo do "meu" mosteiro, sentei-me e meditei por alguns momentos. Em silêncio. 
De facto, tenho aprendido tanto nas minha viagens, mas o que mais retiro delas, é que aquilo que nos aprisiona são os nossos hábitos, que construímos ao longo do quotidiano das nossas vidas. Eu não precisava de nada naquele momento da noite para o apreciar. Tinha tudo. 
Estas faltas dos habituais são o que me desafiam nas viagens. É aquilo que aprendo, quase como se fizesse uma experiência científica: desafiar reacções novas, em condições diferentes, para aprender novos comportamentos. Para aprender a vida. Para viver. E naquela noite tinha tudo isso. Esperançosamente as diferenças experimentadas far-me-ão um homem diferente. Lá fora o mosteiro só para mim, com imensos risos dos pequenos monges. O céu estava tão estrelado! 
E então de manhã cedo, fui direito ao local que se encontrava á minha frente. Entrei no edifício, todo branco. Lá dentro o local exacto do nascimento de um dos homens importantes na mudança do nosso velho mundo. 
Não consegui resistir à paz do local e passei aí largas horas, andando, respirando, estando presente, meditando, pensando na vida. Vivendo.
Era extraordinário observar as pessoas à volta. Todas pareciam estar bem. Todas se cumprimentavam com um sorriso. Sobretudo de ocidentais para ocidentais. 
Não se pense que o local era faustoso ou qualquer coisa do género. Li relatos de vários viajantes que ficaram desiludidos com o sítio. Pois eu gostei. Muito. Simples, mas a atmosfera à sua volta era grandiosa. 
Uma curiosidade: não existiam nenhuns vendedores. De nada. Apenas o bilhete, que custava cerca de dois euros se podia comprar. Pessoas a pedir também não havia. Isto num lugar no Nepal, a pouquíssimos quilometros da fronteira da Índia, é obra.
O calor das monções era abrasador, mas debaixo das copas das grande árvores corria uma aragem que me conciliava com a vida. 
Ao longe o som dos cânticos de um grupo de peregrinos do Sri-Lanka tornava tudo muito mais solene. E bonito. 

O local do nascimento. Lá dentro, não são permitidas fotografias, por entre ruínas posteriores ao acontecimento, uma pedra assinalava-o.
Paz sob as árvores.



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